terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Os valores cristãos e o Carnaval

O Carnaval é uma realidade. Ele aí está e penetra pelos olhos. Todo indivíduo sente necessidade de alegria. Sem ela, a existência se torna insuportável. A própria saúde física se ressente. Diz a Sagrada Escritura, no livro Eclesiastes (9, 15): “Por isso louvei a alegria, visto não haver nada de melhor para o homem (...) é isto que o acompanha no seu trabalho, durante os dias que Deus lhe outorgar debaixo do sol”. Os festejos carnavalescos têm remota e obscura origem eclesiástica. Tanto assim que dependem de uma data móvel do calendário litúrgico. Antecedem sempre o início da Quaresma. Terminam – quando terminam – com as cinzas da quarta-feira. E a Igreja, em seu ritual, recorda ao homem a fragilidade de sua condição: “Lembra-te, ó homem, que és pó e ao pó hás de tornar”.
Encaro com realismo esses dias ruidosos. Devemos ter a coragem de avaliar o que ocorre na cidade. Por vezes, assumem proporções de verdadeiras orgias coletivas, com crescente degradação dos padrões morais e agressão à dignidade humana.O Carnaval perde, aos poucos, seu sentido original de diversão simples do próprio povo. Vem a ser mais um espetáculo para turistas, e oportunidade aos menos escrupulosos de extravasar baixos instintos, esperando contar com certa cumplicidade do meio ambiente. Aumentam os crimes, os atentados ao pudor, as violências e o excesso de álcool. Cresce o consumo das drogas, que geram os “dependentes”, porque usaram abusivamente sua “independência”.
O corpo humano tem uma dignidade inalienável. Não pode ser profanado pelo exibicionismo desregrado. Aviltar dessa maneira a beleza é atingir o próprio Deus, de onde emana tudo o que temos de positivo. São Paulo nos ensina: "Fugi da fornicação. Todo pecado, que o homem comete, é exterior ao seu corpo; aquele, porém, que se entrega à fornicação, peca contra o próprio corpo! Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo?" (I Cor 6, 18-19). E o Apóstolo é incisivo: "Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá" (Idem 3,17).Não tenho a ingenuidade de pretender reviver padrões de comportamento de um passado que não volta. Insisto, isto sim, em afirmar que há formas nobres, simples e sadias de lazer. Elas irradiam a alegria autêntica, que refaz as forças do corpo e aumenta as energias do espírito. Igualmente, não nego aspectos positivos nesses festejos. Contudo, tomados como um todo, merecem restrições ditadas pelo mais elementar bom senso.Que fazer, então? Refletir, durante esses dias, sobre as consequências que poderão advir. Isso nos conduz a uma indispensável moderação, distinguindo, do que há de aceitável, aquilo que encerra em seu bojo condenáveis manifestações de baixos instintos. Afinal, somos seres racionais e não simples animais, destituídos de razão. Isso nos possibilita selecionar, o que é saudável, nesse período que antecede a Quaresma e rejeitar o que fere uma consciência cristã. Assim evitamos desgraças irrecuperáveis.Por uma submissão generosa, o homem prudente orienta seu procedimento, discernindo o aceitável e repudiando tudo aquilo que contraria frontalmente nossa qualidade de filhos de Deus. Temos que compreender nossa época, inseridos que somos no mundo, mas é preciso coragem para reprovar o que se opõe à dignidade humana, fundamentada no Evangelho de Cristo. Muitos são severos nos julgamentos, aliás justos, da corrupção pública. Costumam, entretanto, omitir-se nesse outro tipo de devassidão coletiva, igualmente consequência de uma sociedade impregnada de critérios materialistas.O Carnaval constitui um desafio. Deve nos impulsionar a alguma atitude positiva, distinguindo o direito ao lazer dos abusos oriundos dos desvios morais, os quais tentam obscurecer a nobreza do espírito. Os excessos – e aí está o que há de condenável nesses festejos – em vez de deixarem o ânimo abatido no cristão, estimulam nossa confiança no Salvador, possibilidade de recuperação, sempre latente no íntimo de nossos irmãos. Condenemos o mal, mas confiemos no poder de Deus.
Dom Eugênio de Araújo Sales Cardeal e Arcebispo emérito do Rio de Janeiro